De Godos a Lusitanos: Como Asterix Continua a Satirizar a Europa e Reencontra a “Saudade” em Portugal

De Godos a Lusitanos: Como Asterix Continua a Satirizar a Europa e Reencontra a “Saudade” em Portugal

A longa trajetória de Asterix e Obelix é marcada por sátiras culturais afiadas, um legado que começou com os criadores originais e continua com a nova geração de artistas. Desde as controversas representações dos alemães como Godos até a recente viagem dos gauleses a Portugal, a série reflete as complexidades e os estereótipos da Europa, sempre com um toque de humor.

Os Godos como Alemães: Uma Caricatura Pós-Guerra

Albert Uderzo, o desenhista de longa data da série, admitiu abertamente que os Godos, com seus capacetes pontiagudos (Pickelhauben), vistos em “Asterix e os Godos” (1963), eram, de fato, uma representação dos alemães. Na época, o artista provavelmente não previu a complexidade dessa escolha. A aventura, que foi a terceira no original francês, só chegou à Alemanha em 1970 (como o sétimo volume da série), um atraso justificado pela sensibilidade do tema.

Neste álbum, os Godos falam em um tom militarizado e pensam predominantemente em cerveja, habitando a Germânia, a leste da fronteira gaulesa. Em retrospecto, Uderzo considerou a caricatura dos Godos como bárbaros que invadem seus vizinhos “relativamente amigável”, especialmente porque a Segunda Guerra Mundial ainda era uma memória recente.

A Escolha Linguística e Histórica por “Godos”

Mas por que os criadores optaram por “Godos” (Goten) em vez de “Germanos” (Germanen)? O romanista André Stoll explicou em 1974 que, na língua francesa, o termo “Germanen” (germânicos) possui uma conotação mais positiva, como evidenciado na expressão “cousins germains” (primos de primeiro grau).

“Godos”, por outro lado, remetia os franceses ao Período de Migração (Völkerwanderung), quando a Gália, anteriormente ocupada pelos romanos, foi perdida para invasores do leste. Havia também uma associação contemporânea: assim como os Godos históricos se dividiam em Ostrogodos (Leste) e Visigodos (Oeste), a Alemanha da Guerra Fria estava dividida em dois estados. A sátira ia além: no original francês, o líder godo chamava-se “Téléféric” (teleférico), uma clara alusão a Paul von Hindenburg, presidente da República de Weimar, que falhou em seu “malabarismo” para preservar a democracia.

A Nova Geração e o Peso da “Saudade”

Esse legado de sátira e aventura agora repousa sobre os ombros de uma nova geração de artistas. O sentimento de “Saudade” – esse estado melancólico que expressa nostalgia, mas também a alegria das memórias – descreve perfeitamente a relação que muitos adultos de hoje têm com Asterix, uma companhia constante da infância.

Não por acaso, é para a terra da Saudade, Portugal (ou, mais precisamente, a província romana da Lusitânia), que os gauleses viajam em seu 41º álbum. Após o enorme sucesso de “A Íris Branca”, o álbum anterior, a dupla composta pelo autor Fabcaro e pelo desenhista Didier Conrad (na série desde 2013) enfrentava alta pressão e expectativas elevadas.

Uma Investigação Clássica em Terras Lusitanas

Para o 41º volume, “Asterix na Lusitânia”, a dupla optou por não repetir a fórmula exata do sucesso anterior. Em vez disso, reduziram o ritmo para se concentrar em uma história clássica, bem ao estilo dos criadores originais, Uderzo e Goscinny. A trama começa de forma tradicional: um velho conhecido (Schnurres, na versão alemã) chega à aldeia gaulesa pedindo ajuda, lembrando as visitas icônicas do egípcio Numerobis ou do bretão Teefax.

Ele relata que um lusitano (Schãoprozess, na versão alemã) está prestes a ser jogado aos leões. A acusação: ele teria tentado envenenar Júlio César com garum, um molho fermentado de peixe muito usado como tempero na antiguidade. Asterix, Obelix e o cãozinho Ideiafix partem imediatamente para resolver a injustiça.

A Fórmula Asterix e as Novas Homenagens

Rapidamente, os heróis percebem que o caso é mais complexo do que um simples erro judicial, envolvendo o corrupto prefeito Fetterbonus e seu espião Karies (nomes da edição alemã). Essencialmente, o álbum se desenrola como uma história de detetive, um gênero que Goscinny e Uderzo já haviam explorado em clássicos como “A Foice de Ouro” e “O Escudo de Arverne”.

Todos os ingredientes tradicionais da série estão presentes: encontros com os piratas, piadas recorrentes (running gags), nomes satíricos e caricaturas de figuras conhecidas. Entre os homenageados no novo volume estão Silvio Berlusconi e o comediante britânico Ricky Gervais. Curiosamente, na tradução alemã, o centurião baseado em Gervais foi batizado de Pistorius, uma referência direta ao Ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius.

Entretenimento